A Liberdade de Dizer Não
Quando o assunto é exercer a própria sexualidade, dizer ‘não’ pode ser tão empoderador quanto dizer ‘sim’.
A maioria das garotas entra no feminismo aos poucos. Elas ouvem algo que acham interessante, colocam o dedo na água, testam a temperatura. Algumas falas nos seduzem, quebram estigmas que nos machucam e nos prendem. “Você é linda de qualquer forma” – então você mergulha mais um pouco. Normalmente, esse primeiro contato é com vertentes mais liberais. Isso porque garotas passam por situações muito negativas durante a adolescência e início da vida adulta. Elas são constantemente fiscalizadas em relação a aparência, comportamento e até vida amorosa e sexual.
Então quando algumas garotas estendem a mão e dizem “você não vale menos por transar com vários caras, você pode exercer sua sexualidade como quiser”, isso é muito sedutor. Porque ninguém havia falado isso antes – as garotas não têm um espaço para falar livremente sobre sua sexualidade, desejos e dúvidas. Os garotos têm muito mais liberdade para explorar isso, portanto eles acabam como os seres sexuais livres e nós não. – E uma das pautas do feminismo é a liberdade sexual feminina, a superação de padrões e preconceitos estabelecidos que nos restringem sexualmente, o que muitas leem como: quanto mais você exercer sua sexualidade, mais livre será.
É claro que é importante as mulheres se conhecerem como seres sexuais, entenderem seus corpos, desejos, fetiches e prazeres. Mas isso é diferente de se unir a uma “marcha das vadias” e gritar aos quatro ventos – aos homens – que somos todas vadias. Isso faz com que garotas que foram chamadas de putas e vadias a vida toda e tiveram suas personalidades diminuídas a seus corpos e sexualidade voltem a afirmar esse preconceito. É também diferente de buscar mostrar sua desconstrução ao pegar diversos caras e tentar fazer o papel de femme fatale – ou continuar na busca de agradar o sexo masculino.
Muitas garotas, ao entrarem no feminismo, acabam medindo suas desconstruções e seus feminismos por quantos caras já pegaram, posições, locais. Riem dessas histórias e chamam umas às outras carinhosamente de putas, vadias, cachorras. O pior disso tudo? Trazem os homens para a brincadeira, como uma forma de exibir como são livres e poderosas. Então eles, de novo, as chamam de vadias e as definem por suas vidas sexuais. E adoram isso, porque essas garotas continuam agindo como os mesmos objetos sexuais que sempre os colocaram no centro do universo.
Eu passei por essa fase e minhas amigas também. No entanto, conforme aprendemos mais sobre o feminismo e sobre nós mesmas, percebemos que isso não estava nos fazendo bem. Vimos quantas vezes números contaram mais que experiências e o prazer do homem contou mais do que o nosso. Muitas garotas relatam como esquecem de si mesmas nessa fase e fazem coisas apenas para agradar e conquistar – desde seguir padrões de beleza até a aceitar coisas na cama. A questão é ainda mais problemática porque dificilmente percebemos isso. Achamos que estamos nos desconstruindo, sendo livres, quando estamos cada vez afundando mais no patriarcado.
O sexo, o contato íntimo com outra pessoa, deve ser baseado em uma troca mútua de prazer, sentimentos e confiança. Acredito que tudo isso, em uma sociedade patriarcal em que os homens ainda são incapazes de tratar mulheres como iguais, é muito difícil de encontrar. Isso não quer dizer que devemos todas nos guardar para nosso grande amor – quem não quiser -, mas significa que corremos um risco alto ao banalizarmos nossas relações.
Se libertar é permitir que o seu conforto e seu prazer sejam sua prioridade nas relações. É entender que relações heterossexuais são permeadas por papeis pré-estabelecidos de dominação e posse – e que isso deve estar sempre em mente para nos protegermos de relacionamentos tóxicos, sejam eles de uma noite ou de um ano. É entender que todo homem é inserido no patriarcado, se beneficia disso e, consciente ou não, o usa em sua vantagem, principalmente ao se relacionar com mulheres. É entender que nosso valor não pode ser medido pela nossa vida sexual ou como expressamos nossa sexualidade de nenhuma forma. É entender que não podem nos julgar e nem nos chamar de vadias pelo o que fazemos, mas que também optar por uma vida diferente não nos faz menos desconstruídas, livres ou feministas.
É preciso que as garotas parem de colocar homens no centro de suas vidas novamente. Não é o fim do mundo sair para a balada e não pegar ninguém. Não tem problema em ficar meses sem sexo, sem encontros ou apenas sozinha. Não tem problema em ser solteira, em não querer transar ou não se depilar. E também não tem problema em beijar vários homens, desde que isso seja bom e prazeroso para você.
A forma como conversamos com nossas amigas é muito importante também. Não se chamem de putas, vadias e cachorras. Não digam: “pega ele sim, que ce ta esperando?”. Perguntem se a garota realmente quer, se ela está no clima. Quando elas contarem uma história, perguntem: “Foi bom? Você gostou?”, ao invés de dar os parabéns por pegar aquele cara ou aqueles.
Atentem-se aos sinais de abuso nos relacionamentos das amigas e busque ajudá-las. Lembre-as de que elas são livres para decidirem como viver suas vidas e que, mais ainda, são livres para viverem suas vidas se importando mais com elas do que com os homens com quem se relacionam. E não esqueçam nunca de falar sobre doenças, consentimento e prevenção.
E por último, mas não menos importante: alerte-as que poder e liberdade estão tanto em dizer ‘sim’ quanto em dizer ‘não’ quando não estão afim ou quando o homem passa dos limites. Porque Liberdade mesmo é escolha bem informada.
Leia também sobre como assédio de rua tem mais a ver com poder do que com sexo; e sobre a vagina atômica e a ameaça do corpo feminino.
Karine
April 18, 2016 @ 9:28 pm
Olá. Vc falou tudo o que eu penso! Concordo com essa questão de banalização. Acho que uma mulher não deve ser julgada pela sua conduta sexual mas percebo uma banalização na qual fico confusa se de fato a mulher em questão é empoderada ou se está apenas querendo agradar vários caras com uma postura de ser sexual.
Gabriele
July 11, 2016 @ 3:40 am
Obrigada por esse texto <3