Mulheres na NASA – A História que Ninguém Conta
Conheça a história das mulheres que calcularam como levar a humanidade para o Espaço.
Por algum motivo, sempre que imagino as pessoas por trás das grandes conquistas da NASA, elas são sempre brancas e estão sempre usando terno e gravata. Bem, na verdade, os motivos são claros. Desde os primeiros momentos da exploração espacial, os cientistas, engenheiros e desbravadores da área são retratados quase que exclusivamente como homens brancos, com mulheres apenas fazendo figuração ou trazendo o cafezinho.
Ou mordendo as unhas de preocupação, enquanto os heróis salvam o planeta.
Esse retrato masculino da NASA é dolorosamente recorrente em toda a mídia e na própria educação formal. O próprio Google traz um festival de testosterona em buscas por imagens com termos como “nasa scientists”, e dificilmente se ouve falar de mulheres de destaque dentro da organização.
No entanto, só porque não ouvimos falar sobre elas, não quer dizer que não existam ou não tenham existido. A verdade é que a história da NASA é cheia de mulheres, que tiveram papéis fundamentais em todas as grandes conquistas da organização.
Um pequeno passo para o homem, um gigante salto para a humanidade…menos para as mulheres.
Que nós não saibamos nada sobre essas mulheres é sintomático de uma cultura que inferioriza a capacidade feminina e tenta de diversas formas reforçar papéis de gênero do século XIX. Afinal, lembrar e exaltar os seus feitos acabaria “colocando ideias” na cabeça de outras mulheres, e isso é uma das piores coisas que podem acontecer em uma cultura machista.
Isso funciona que é beleza, diga-se de passagem. Atualmente, mulheres são subrepresentadas em áreas como engenharia, ciência da computação, física, matemática e química – todas tidas no imaginário popular como áreas de domínio masculino.
Felizmente, “colocar ideias” na cabeça de outras mulheres é meio que um hobby para mim.
Como Tudo Começou
Mulheres foram, basicamente, os primeiros computadores da NASA. Quando computadores ainda não existiam, todo o trabalho de análise de testes, cálculo e plotagem de dados era feito por pessoas. Por mulheres, mais especificamente.
O site da NASA tem, inclusive, um artigo com o fofíssimo título “Quando Computadores Usavam Saia”.
Tudo começou com um grupo de cinco mulheres em 1935, contratadas para formar uma equipe de computadoras que teria a função de processar todos os dados vindos dos testes de voo e de túneis de vento (obs: na época pré-Guerra Fria/corrida espacial, a NASA ainda era apenas NACA – Conselho Nacional para a Aeronáutica). A ideia era tirar a enorme e complexa carga de trabalho matemático dos ombros dos engenheiros para que eles tivessem mais tempo para focar nos experimentos. Como mulheres eram vistas como mais atentas a detalhes e – mais importante ainda – podiam receber salários significativamente menores para fazer o mesmo trabalho que homens, elas foram as escolhidas para desempenhar esse papel.
A experiência deu tão certo que de cinco computadoras em 1935, a equipe cresceu para 940 em 1941, e 3220 computadoras ao final de 1945. Em 1942, um memorando circulou na agência ressaltando a importância do trabalho dessas mulheres, dizendo que “os próprios engenheiros admitem que as garotas computadoras fazem o trabalho mais rápido e com mais precisão do que eles poderiam fazer”.
O momento histórico também contribuiu imensamente para a contratação de mulheres na agência. Com milhares de homens sendo embarcados para lutar na Segunda Guerra Mundial, simplesmente não havia opção a não ser parar de aprisionar mulheres nos tradicionais papéis de dona-de-casa/professora/enfermeira e aceitá-las em outras funções.
Da mesma forma, a guerra também criou oportunidades inéditas para profissionais negros. Protestos contra políticas discriminatórias de contratação nas Forças Armadas e na indústria bélica fizeram com que o governo, que temia possíveis tumultos e desunião em tempos de guerra, tomasse algumas ações concretas. Com isso, foi criado o Comitê de Práticas Justas de Contratação, que proibiu a discriminação racial na indústria de Defesa americana – um avanço que abriu as portas da NASA para mulheres negras que fizeram história.
As Computadoras Negras da Ala Oeste
Logo que a proibição do Comitê entrou em vigor, as agências federais correram para acatar as novas regras e aumentar os seus contingentes de funcionários negros. Na NASA, homens negros foram contratados para serviços de maquinário e construção, enquanto mulheres negras com formação em matemática foram buscadas em todos os cantos do país para integrar a já sólida central de mulheres computadoras da agência.
Mas, elas eram negras. E com o racismo ainda bombando com as leis de segregação racial de Jim Crow, isso significava que as barreiras seriam muito maiores para elas do que as enfrentadas pelas mulheres brancas.
Embora tivessem se formado com honrarias nas mais prestigiosas universidades negras do país e realizassem o mesmíssimo trabalho que as mulheres brancas, as computadoras negras foram alocadas em um prédio separado, conhecido como Ala Oeste, e tinham que passar em um curso em Química no Instituto Hampton antes de serem contratadas – exigência que não existia para as computadoras brancas. Além disso, a segregação existia também nas áreas comuns, como banheiros e lanchonetes.
Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, inevitavelmente as forças conservadoras da sociedade fizeram pressão para que a situação de contratação voltasse ao que era antes da guerra, com as mulheres brancas e negras (e os homens negros e outras minorias) fora do mercado de trabalho que haviam conquistado. E embora infelizmente para muitos isso tenha acontecido, de forma geral todas as mudanças do período foram tão significativas e trouxeram tantas conquistas que se tornaram um caminho sem volta. Com o reconhecimento da importância das computadoras e o Movimento de Direitos Civis tomando força, não tinha mais jeito: as mulheres, e especialmente as mulheres negras, chegaram na NASA para ficar.
Como resultado, o trabalho das computadoras se expandiu e fundamentou uma enorme quantidade de pesquisas, com papéis fundamentais em uma variada gama de projetos – desde testes aeronáuticos para a Segunda Guerra Mundial, até o estudo de voos supersônicos e a subsequente corrida espacial durante a Guerra Fria. Muitas computadoras desenvolveram métodos e técnicas específicas para a área da aeronáutica e aeroespacial, sendo que muitas chegaram a escrever livros e a redigir estudos e pesquisas em parceria com colegas engenheiros.
Mulheres de Destaque
Apesar de nunca ouvirmos falar sobre elas, muitas mulheres na NASA fizeram contribuições estrondosas para a ciência e a exploração do espaço – tanto no papel de computadoras, como em outras funções. Felizmente, cada vez mais estamos ouvindo falar nessas mulheres, principalmente com projetos como o Hidden Figures, que traz informações valiosas sobre as histórias e contribuições de mulheres negras na NASA (OBS Bombástica: o livro Hidden Figures deve sair esse ano e virar filme em 2017!).
Na esperança de inspirar outras mulheres geniais a seguirem os mesmos passos e romperem barreiras racistas e sexistas que limitam a atuação de mulheres ainda hoje, separei alguns nomes de destaque que todos nós precisamos conhecer. Nomes como…
Katherine Johnson
Contratada em 1953, Johnson iniciou seus trabalhos na NASA como uma computadora da ala oeste, mas não ficou por lá muito tempo. Perguntando constantemente coisas como “Por que mulheres não podem participar das reuniões e briefings? Tem alguma lei?”, Johnson logo passou a trabalhar lado a lado com os engenheiros, se tornando a primeira mulher – e a primeira pessoa negra – a participar da Space Task Force, responsável por colocar seres humanos no espaço o mais rápido possível.
Katherine Johnson, mestra em matemática, engenharia aeroespacial e em deixar homens brancos constrangidos.
Em 1961, seus cálculos para a trajetória da cápsula de Alan Shepard foram fundamentais. De acordo com ela:
“Logo no começo, quando eles disseram que queriam que a cápsula descesse em um lugar específico, eles estavam tentando computar quando deveriam lançar. Eu disse, ‘Deixa que eu faço. Vocês me dizem onde a querem e onde querem que ela pouse, e eu faço os cálculos ao contrário e digo quando lançar’. Essa era a minha especialidade”.
Mais tarde, Johnson revisou todos os cálculos para o lançamento histórico de John Glenn (o primeiro homem a entrar em órbita), que não confiava nos computadores eletrônicos e pediu para que Johnson checasse se todos os cálculos estavam corretos.
Christine Darden
Darden foi contratada pela NASA em 1967 como computadora, mas, tendo estudado programação na faculdade, logo assumiu atividades chave de programação também (com a introdução de computadores eletrônicos, as computadoras passaram a realizar também as atividades de programação). Em cinco anos, ela foi promovida a engenheira aeroespacial.
Em 1983, Darden completou o doutorado em engenharia de aerodinâmica supersônica e se tornou uma das maiores especialistas da NASA em voos supersônicos e estrondos sônicos. Em 1989, ela foi promovida a líder da Equipe de Estrondo Sônico e se tornou a primeira mulher negra na NASA a assumir um cargo executivo senior.
Margaret Hamilton
Hamilton trabalhou junto a NASA na década de 1960, quando foi a diretora da Divisão de Software no Laboratório de Instrumentação do MIT, que desenvolveu o programa de vôo usado no projeto que levou a humanidade até a lua – o Apollo 11. O software de Hamilton impediu que o pouso na Lua fosse abortado.
Olha ela aí do lado do código-fonte que escreveu para o programa.
Hamilton é creditada por ter criado o termo “engenharia de software”, tendo sido uma das desenvolvedoras dos conceitos de computação paralela, priority scheduling, teste de sistema, capacidade de decisão com integração humana, e mostradores de prioridade, que seriam a base moderna para o design de software ultra confiável.
Em 2003, Margaret foi premiada pela NASA por suas contribuições técnicas e científicas. O prêmio incluiu a soma de $37.200,00 – o maior valor já premiado a um indivíduo na história da NASA.
Pearl Young
Young foi a primeira mulher contratada como profissional – física, no caso – na NACA (a precursora da NASA), em 1922. Com isso, ela foi também a segunda física mulher a trabalhar para o governo federal norte-americano. Em 1929, Young foi a primeira pessoa a assumir o cargo de Editora Técnica Chefe, sendo uma de suas principais contribuições a criação de um escritório editorial e de um manual para engenheiros, que definia o formato para relatórios e pesquisas conduzidos em todos os centros da NACA.
Melba Roy Mouton
Em 1961, Mouton se tornou responsável pela equipe que determinaria a órbita de naves no Espaço. Nessa função, ela desenvolveu programas para prever o local e a trajetória de aeronaves, permitindo a NASA acompanhar as naves no espaço.
De acordo com a astrofísica Dr. Chanda Prescod-Weinstein:
“Quando lançamos satélites em órbita, existem várias coisas a para rastrear. Temos que garantir que a força gravitacional de outros corpos, como a lua, etc, não desestabilizem a órbita. São cálculos extremamente difíceis, mesmo hoje em dia, com computadores eletrônicos. Então, o que ela fazia era trabalho difícil e extremamente intenso. O objetivo do trabalho, além de garantir que os satélites ficassem em uma órbita estável, era saber onde tudo estava o tempo todo. Então eles tinham que ter os cálculos com um alto nível de precisão.”
Demorou apenas dois anos para que Mouton assumisse essa função. Ela foi contratada em 1959 como matemática-chefe para os Satélites Echo 1 e 2, mas rapidamente foi subindo de cargo, passando por Diretora de Programação Computacional, Chefe da Seção de Produção de Programas no Goddard Space Flight Center, e Assistente-Chefe de Pesquisa de Programas na Divisão da NASA de Trajetória e Geodinâmica, até chegar a Programadora-chefe, em 1961.
Confira também a página da NASA com biografias e vídeos de várias de suas funcionárias mulheres.
Confira o livro de não-ficção que traz a história das mulheres negras na NASA, além de outras dicas de livros sobre mulheres incríveis:
Leia também por que as mulheres deixaram de ser destaque na área da computação.
Paula
February 28, 2016 @ 5:22 am
Parabéns! Excelente reportagem!
Lara Vascouto
February 28, 2016 @ 11:18 am
Que bom que gostou, Paula! 😀
Bruna
October 15, 2016 @ 3:16 pm
Esse post de vocês tá maravilhoso! Foi um dos poucos que encontrei sobre o tema, tão bem explicadinhos. Uma pena que quando pesquisamos mulheres como Melba Roy, só encontremos textos em inglês. Parabéns pelo trabalho.