Propaganda Antifeminista – Mais de 100 Anos de Desinformação
Feminista é feia, mal-comida, vadia e grosseira. Pelo menos é isso que diz a propaganda antifeminista – e ela é muito mais antiga do que você imagina.
O Nó de Oito é obviamente um blog feminista, mas apesar de quase sempre abordarmos questões caras ao movimento, às vezes a palavra “feminismo” nem chega a figurar nos textos. Isso é interessante, porque já aconteceu mais de uma vez de recebermos comentários ou contatos em que pessoas desavisadas dizem algo como: “Texto bem feminista, mas vale a pena ler”.
Isso me intriga, mas não me surpreende nem um pouco. Afinal, quem não percebeu que o termo feminista é frequentemente usado como xingamento só pode estar em coma há mais de década. O refrão antifeminista que canta sem parar sobre como as feministas são feias, amargas, grosseiras, vadias abortistas, agressivas, histéricas, vitimistas, exageradas, mal-comidas e odiadoras de homens é barulhento e ininterrupto, a ponto de muitas pessoas que se identificam com todos os ideais do movimento não se reconhecerem feministas.
Minha cara quando escuto: “Quero igualdade de gênero, mas não sou feminista!!!”
Essa percepção antifeminista é arraigada e apoiada por uma boa camada da população – que inclui homens e mulheres, diga-se de passagem. Isso não surpreende, pois a propaganda antifeminista é vasta. Entre outras coisas, ela diz que…
– As feministas são feias, grosseiras e agressivas:
Propaganda antifeminista. Tradução: sua porra de escrava cristã / Me foda / Fodam-se os homens / Foda-se deus.
– As feministas são vadias que odeiam a instituição da família:
Fique longe do meu útero, governo! / Isto é, logo depois de pagar pelo meu método contraceptivo. (Na porta de um banheiro masculino: se quer se divertir, ligue para…)
– As feministas odeiam os homens:
Eu não preciso de feminismo porque: eu não preciso demonizar os homens; eu não quero nada que faz com que se fazer de vítima seja o mesmo que se empoderar; ser mulher não é uma desvantagem; respeitar o meu marido como o HOMEM do nosso casamento não faz de mim menos MULHER
– As feministas são amargas e mal-comidas:
Feminismo – ou como projetar frustração sexual nos outros.
Está comigo ainda? Não jogou o computador/celular pela janela, nem se atirou do décimo andar? Ok, continue comigo, eu juro que estou chegando no meu argumento.
Então, ao encarar atônita tão vasta e variada propaganda antifeminista todos os dias, eu comecei a me interessar cada vez mais por ela. E descobri uma coisa curiosa. Muito curiosa. Para que você entenda, vamos dar uma volta pelo passado.
Estamos no começo do século XX e as coisas não parecem nada boas para o movimento das sufragistas no Reino Unido e EUA. Você sabe, o movimento que garantiu o direito a voto para mulheres nesses países (e inspirou a mesma conquista em diversas partes do mundo). Muitas mulheres do movimento estão sendo presas por distúrbio da ordem pública e, ao fazer greve de fome nas prisões, estão sendo alimentadas à força, com direito a amarras de contenção e tubos nariz e goela abaixo.
Além disso, muita gente continua contrária à ideia de ter mulheres votando e está fazendo todo tipo de propaganda antifeminista – quer dizer!, antisufragista – para enfraquecer o movimento. Basicamente, as propagandas dizem que…
– As sufragistas são feias, grosseiras e agressivas:
Abaixo os homens! Maridos para solteironas! / Nas reuniões das sufragistas, você pode ouvir coisas feias. E vê-las também!
Sufragistas atacando um policial.
– As sufragistas são vadias que odeiam a instituição da família:
Mamãe é sufragista!
O método mais fácil de a sufragista conseguir o voto.
Voto feminino. / Nosso lar é feliz.
– As sufragistas odeiam os homens:
Minha esposa se uniu ao movimento sufragista. (Tenho sofrido desde então!)
Se você ama sua esposa, mas não a sua vida, fique por fora e por baixo.
– As sufragistas são amargas e mal-comidas:
Origem e desenvolvimento de uma sufragista: / Aos quinze, uma gracinha. / Aos vinte, uma pequena coquete. / Aos quarenta, ainda não casou. / Aos cinquenta, uma sufragista!
Sufragistas / que nunca foram beijadas.
Tenho certeza de que você entendeu o ponto do texto. Em pouco mais de um século, a propaganda antifeminista não mudou. Seria engraçado de gargalhar se não fosse tão triste, pois por mais ridiculamente besta e infantil que seja, o uso dessas (e de outras) propagandas continua eficaz contra o movimento. E o fato de algo tão tosco ainda ter algum efeito é mais uma prova de como o machismo é arraigado e sistêmico.
Mesmo assim, espero que essa exposição esclareça alguns fatos e que as pessoas que enxergam o termo feminista como algo negativo entendam que essas associações negativas foram construídas historicamente com o objetivo de enfraquecer a luta pela igualdade de gênero. E que, convenhamos: elas são terrivelmente ultrapassadas.
Leia também: 6 Estereótipos Femininos que Hollywood Precisa parar de Usar.
Felipe
March 24, 2015 @ 5:57 pm
Conheci hoje seu blog… Bom saber que ainda há um sopro de inteligência e bom senso no planeta Terra.
Sou homem e sou bem resolvido. Gosto de ser homem. E cada vez mais chego a conclusão de que sou feminista.
Lara Vascouto
March 24, 2015 @ 9:17 pm
Seja bem-vindo, Felipe! 🙂
Catarina
October 16, 2015 @ 8:19 pm
Concordo muito com o post, mas acho que alguns pontos têm que ser evidenciados também, caso contrário acabamos com uma visão enviesada e talvez ingênua das coisas. De fato, algumas “alas” do feminismo odeiam homens, por exemplo. Algumas sequer admitem que homens possam lutar pelos direitos das mulheres. Além disso, de fato, algumas ativistas ridicularizam a família, a igreja e as mulheres que escolhem (ou seja, que são empoderadas sim, porque têm a capacidade de escolher) ficar em casa para cuidar dos filhos.
Acredito que é muito importante desmistificar o feminismo (como foi feito no texto), mostrando que ser feminista não é ser um monstro. Mas não se pode cair no erro de homogeneizar o movimento feminista ou de fechar os olhos para os extremismos que existem sim e que, na minha opinião não ajudam em nada.
Lara Vascouto
November 10, 2015 @ 5:08 pm
Oi Catarina! Bem, extremismos existem em qualquer movimento, e o feminismo não é exceção. Mas é importante perceber que os extremistas, apesar de serem mais barulhentos, são uma minoria. E tendo a acreditar que aqueles que tomam as minorias radicais como representantes do movimento inteiro para falar coisas como “aí, tá vendo, feminismo é ódio aos homens!”, estão usando de má-fé para desqualificá-lo. Basta uma busca simples no google para encontrar milhares de artigos e textos maravilhosos de feministas sérias, lúcidas e equilibradas. É uma maioria esmagadora mesmo. Não tem como alguém interessado em entender o feminismo ainda ficar achando que o movimento é marcado pelo ódio – a não ser que seja alguém mal-intencionado. Enfim, de minha parte, sigo fazendo o possível. Que bom que gostou do texto! Muito obrigada pelo seu comentário! 🙂
vlv rvlc
June 8, 2016 @ 5:06 am
catarina, acho que vc sentou no trem e olhou para o lado errado da janela. a igreja é uma das bases do tipo de misoginia que é exercido atualmente, basta ler sobre a inquisição e as definições do que era ~ser uma bruxa. a mulher é, há tempos, vista como o demônio em pessoa, algo a ser controlado, exterminado. dentro das famílias é onde acontecem as maiores violências: relacionamentos matam mulheres, e muito. Parentes, amigos e vizinhos estupram, abusam, assediam. Ficar em casa pode ser uma escolha sim, mas em muitos casos é mais uma imposição. Ou pior ainda: a mulher tem que cuidar da casa, dos filhos, do marido e trabalhar fora. Ou o marido a abandona sobrecarregada. Etc. Então você deveria olhar para essas instituições que você defende com um olhar mais crítico ao invés de simplesmente demonizar feministas. Cada uma grita o tanto que precisa. E não são elas que estão matando.
Lara Vascouto
June 8, 2016 @ 1:03 pm
Obrigada! Concordo com você e lembro de uma frase muito pertinente pra essa discussão: não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.
Bruna Yeager
February 3, 2016 @ 1:53 am
Conheci o blog hoje, por acaso… um tanto timida lendo seu artigo sobre moda opressiva.
Mulher eu devo ter passado umas 3 horas lendo seus textos! Não apenas pelo fato de serem extremamente bem escritos, mas eu sou formada em História e procuro desesperadamente textos engraçados e com verdades chocantes para meus alunos.
Entao e seguro dizer que voce acabou de ganhar uma fã xD
vlv rvlc
June 8, 2016 @ 4:58 am
hauhauha adorei. meu blog é EXPLICITAMENTE feminista e ás vezes recebo uns comments desses tb. “nossa, bom texto, mas parece coisa de feminista” e etc. fico tipo “uér, amigão…..”
ótimo post. ter visto as sufragistas me ajudou a entender melhor o contexto de algumas dessas imagens… a gente dá passos pra frente sendo toda hora empurrada pra trás, cansa ás vezes. mas seguimos….
Lara Vascouto
June 8, 2016 @ 1:07 pm
Cansa muito, como cansa. Mas, sim, seguimos porque não temos outra opção. Obrigada pelo comentário! obs: conheço e gosto muito do seu blog! 😉
Esmael
June 10, 2016 @ 7:08 pm
Problema de hoje passa pela nomenclatura pois uma vasta parcela da população confunde feminismo com femismo.
Júlia
July 4, 2016 @ 1:17 am
Lara vc é mto foda! Amo seu blog e o divulgo para as minhas amigas, pq mesmo q elas não queiram ser feministas, elas sofrem com as desigualdades do patriarcado e quem sabe aqui elas não encontrem elucidação sobre essas questões assim como eu encontro.
Lara Vascouto
July 7, 2016 @ 8:15 pm
Que bom, Júlia! Divulgação ajuda muuuito mesmo! Obrigada!! 😀
O Machista Nutella – Blogueiras Feministas
September 11, 2017 @ 11:16 am
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