A Cultura do Pau de Selfie nos Aplicativos de Relacionamento

Descartar pessoas nunca foi tão fácil.

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“Não… não… não… esse também não. Mais um com selfie sem camisa na academia… Esse acariciou um leão dopado, affe…Foto no espelho do elevador…sério mesmo? Olha, que foto original…ao lado da Torre Eiffel!”.

Se você se identificou com o trecho acima, muito provavelmente já esteve no mundo dos aplicativos de relacionamento. À primeira vista, o cardápio humano dessas plataformas assusta até as cabeças mais abertas. Afinal, o que aconteceu com o ditado “não julgue o livro pela capa”?

aplicativos de relacionamentoSaudades, Susan Boyle.

Mas é isso mesmo que os aplicativos de relacionamento que prometem te dar uma mãozinha para achar alguém especial promovem. Em meia dúzia de caracteres para a descrição, o pouco que sabemos da pessoa é a história que as fotos nos conta. E, para ser sincera, a história mais contada é a de pessoas sem camisa, cultivando seus músculos em academias e o espírito “aventureiro” em viagens (que podem ou não envolver uma visita a jaulas com animais dopados). É a triste realidade de comercial de margarina que as pessoas tentam vender na nossa atual cultura do status.

E quando duas pessoas se curtem, abre-se um chat, para que ambos possam se conhecer melhor. Na minha ingenuidade – quase muito romântica para o mundo atual – esperava que se trocassem algumas mensagens antes de passar meu telefone ou de combinar de sair com alguém. Afinal, a pessoa ainda é um desconhecido. Mas, para meu desespero, não é assim que funciona o mundo dos aplicativos de relacionamento. Infelizmente, o que mais ocorre é o seguinte diálogo:

Desconhecido: Oi, tudo bem?

Eu: Tudo! E você?

D: Tudo ótimo. De onde fala?

E: Da Vila Mariana e você?

D: Do bairro X. Te achei muito bonita. Esse chat é muito ruim, me passa o seu whatsapp?

Eu trabalho com tecnologia, mas ainda não consegui desenvolver o recurso para socar alguém na cara através do celular. Como desenho animado, sabe? Me tele-transportar até a tela do ser humano que manda uma mensagem dessas, sair com uma marreta na mão e dar um TUM na cabeça do energúmeno. Dar meu whatsapp significa dar meu telefone… e não vou dar meu telefone para qualquer um que trocou 4 mensagens comigo, somente pelo fato de um chat do aplicativo ser ruim!

aplicativos de relacionamentoPato Donald sacou a minha vibe nesses casos.

 

Algumas vezes é ainda pior. O Desconhecido me chama para sair, sendo que nem sequer sabe o que eu gosto de fazer. Pode me chamar de conservadora, mas não é porque duas pessoas aparentemente gostaram das fotos uma da outra em um aplicativo de relacionamento qualquer, que o papo vai ser bom e que vai haver interesse em marcar um encontro.

O ponto é que, através da sua pretensão de apenas “promover a apresentação entre duas pessoas”, como afirma Justin Mateen, um dos fundadores do Tinder, o aplicativo acaba por tornar os relacionamentos fluidos, instantâneos, superficiais. Você é só mais um match na lista de centenas do cara.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman utiliza um termo perfeito para esse tipo de relação: “amor líquido”. Em um mundo de incertezas e de ênfase desmesurada em bens materiais, o relacionamento se mantém somente enquanto promove satisfação. Quando não mais cumpre o prometido, é descartado. No caso dos aplicativos de relacionamento, essa lógica é levada a um novo extremo. Uma conversa que até poderia ser boa não vai ter continuidade se uma outra pessoa com uma foto melhor aparecer, ou se uma pessoa topar sair com o cara naquele dia que você tinha pós-graduação e não podia. Ou ainda se você disser que votou na Dilma e o dito cujo participar de todos os atos pelo impeachment.

O fato é que os aplicativos de relacionamento tornaram o gostar ou não de alguém um simples movimento de dedo: deslize para direita se gostou, deslize para esquerda se quer descartar. E os desdobramentos disso podem ser catastróficos. A liquidez dos relacionamentos, a instantaneidade que esses aplicativos assimilaram à forma de nos relacionarmos, é a mesma lógica, afinal, que faz as pessoas deletarem aquele monte de foto repetida que tiraram com seus paus de selfie.

Só que na vida real, diferente da realidade em aplicativos de relacionamento, é você que se torna só uma foto batida e deletada, que logo será substituída por outra. Sem camisa. Na academia. Ou acariciando um leão dopado.

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